quarta-feira, 17 de outubro de 2007

No fim o abraço e o sorriso chegam...

Os nossos velhinhos são fonte de confusão, desorientação, agressividade, loucura... mas também o são de sorriso, ternura e agradecimento.
O Sr. J, um velhinho muito velhinho, deu entrada no nosso serviço por desidratação e prostração (o que é algo perfeitamente normal para um serviço de Medicina). Muito emagrecido, desidratado; muito agitado. Houve necessidade de ENG devido à recusa alimentar, colocar umas luvas de boxe para prevenir a exteriorização do acesso venoso periférico e da SNG, mas também a imobilização ao leito para prevenir a fuga. Apesar de este ser um procedimento muito frequente, não gosto de o executar, principalmente porque contribui para aumentar a desorientação e agitação, mas infelizmente é um mal necessário. A família foi desde o início muito compreensiva com a necessidade de tais medidas, até porque em casa havia a mesma necessidade de contenção física.
O Sr. J estava afásico devido a um AVC de há vários meses, mas não o impedia de tentar comunicar, só o impedia que nós o compreendessemos.
Logo no meu primeiro turno (fazia eu tarde e noite) decidimos no fim do turno da tarde contactar a urgência interna porque ao longo da tarde o olho direito tinha apresentado um derrame que estava a aumentar. Após contacto com a Oftalmologia lá fui eu com o AAM à Urgência de Oftalmologia ver o olho do velhinho e fui-lhe contando o que íamos fazer para ver se não se assustava tanto (já que a cara de terror dele era evidente). Lá voltamos nós com os colírios da praxe, mas deram resultado porque passados uns dias os olho já estava bom.
O Sr. J era um dos famosos "apalpadores acidentais"; aquando do banho na cama, alternância de decúbito ou simples mudança de fralda, o que viesse à mão era agarrado. Levei uns grandes beliscões da mão sem luva de boxe à custa disso mas já faz parte.
No fim de semana passado nas minhas manhãs lembrei-me de tentar alimentá-lo oralmente já que já estava mais desperto, mas mantendo a alimentação entérica para maior suporte nutricional. Adorou a papa! Parecia uma criança cheia de fome sempre de boca aberta à espera da próxima colherada!
Teve alta ontem. No turno da manhã fez levante para o cadeirão e lá ficou para o turno da tarde à espera da ambulância de transporte.
Quando entrei na enfermaria ficou excitadíssimo a tentar que eu lhe desse atenção e olhasse para ele. Aproximei-me dele e disse-lhe que ia para casa. Mostrou-me um enorme sorriso e agarrou-me uma mão e beijou-a. Só consegui sorrir-lhe e fazer-lhe uma festinha na cabeça. Passou o tempo de espera pelo transporte a sorrir e a bater palmas.
Quando o transporte chegou colocámo-lo na maca e quando o bombeiro o ia prender com as correias para não cair abraçou-me e foi difícil conseguir que me largasse. Ao sair pela porta ficamos a observá-lo e a dizer-lhe adeus e ele a tentar sair da maca!
Os velhinhos são mesmo assim. Agradecidos à sua maneira.
E eu fui agradecida com um beijo na mão e um abraço grande. :)

3 comentários:

Anónimo disse...

:) Felizmente há casos assim... em que os vemos ir de desorientados, desidratados, completamente dependentes...para pessoas mais calmas, mais capacitadas e que podem, finalmente ir para a sua casa (ou lar)... sabe bem... :) Beijo

Maria da Luz disse...

O nosso mundo de idosos é verdadeiramente carente de carinho e reconhecimento...
Muitas vezes pensamos que o idoso está desorientado, mas está apenas um pouquinho ausente, mas se sente em confiança fica calmo tranquilo, mais fácil de cuidar, a nós de procurarmos estratégias para cuidar com mais qualidade.
Linda história, gostei.

Anónimo disse...

Que bonito :) Quando/se for enfermeira espero tb receber mts beijos nas mãos e abracinhos dos nossos velhinhos.